quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O SUJEITO NA PÓS MODERNIDADE: A INSUSTENTÁVEL FLUIDEZ


                                                                                               
       O SUJEITO NA PÓS MODERNIDADE: A INSUSTENTÁVEL FLUIDEZ
                                                                                      
                                                                                        Nathalia Leão Garcia
    
Desde os tempos após a II Guerra Mundial, muitas mudanças ocorreram e a percepção do ser sobre a sua essência se diluiu e fragmentou perante as novas demandas. O que mais nos aflige nos tempos pós-modernos são as tendências marcadas pelo individualismo, impermanência, relações fluidas, um mundo “desfronteirizado”, globalizado, dominado pela flexibilidade, incertezas e primazia da criatividade. As transformações da sociedade atual estão mudando nossas identidades pessoais, desconstruindo a ideia que fazíamos de um sujeito integrado que vivia apenas o conflito interno da paixão contra a razão. O que sucede é uma perda de sentido, uma “descentração” do sujeito. Podemos dizer que o homem pós- moderno é um ser instável, incoerente e avassalado pela fragilidade nas suas relações. Este novo sujeito assume identidades diferentes em situações diversas, transmutando-se numa multiplicidade desconcertante e cambiante de identificações que podem ser flutuantes, ou ao menos temporárias.
Esta visão está baseada nos estudos do teórico cultural e sociólogo Stuart Hall que assinala que se instalou na pós-modernidade uma crise de identidade, uma vez que o que antes estava centrado e estável, não está mais. Para este autor o sujeito pós-moderno: não possui uma identidade essencial ou permanente. (HALL, 2005)
No mundo dito pós-moderno, as identidades podem ser adotadas e descartadas como se troca de roupa. Portanto, deste ponto de vista, um dos problemas atuais do homem pós-moderno é o da formação e/ou adaptação da identidade.
Desta maneira, o sujeito pós-moderno só pode ser entendido se colocado na perspectiva histórica, ainda assim é possível que sejamos surpreendidos com um “sujeito” fragmentado, amedrontado, triste, ignorado enquanto ser perdido na sua busca por uma identidade.
A chamada "crise de identidade" é vista hoje, como parte de um processo mais amplo de mudança, abalando os padrões de referência que garantiam, até então, aos sujeitos, certa estabilidade e segurança para sua sobrevivência no mundo. A ideia de individualidade se sobrepõe aos interesses da coletividade.
O ser humano não se reconhece e se nega a buscar o autoconhecimento estando, por isso, vulnerável às diversas influências e dominações, por diversas razões ainda pouco claras. Por isso, a questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social e também na psicologia.
Podemos formular o argumento de que as velhas identidades, que por tanto tempo foram o alicerce do mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado A noção de identidade no âmbito psicológico implica, portanto, em construção de um senso de direção, de uma estrutura psicológica e emocional que possa prover certa noção de equilíbrio.
Acontece, que o sujeito pós-moderno pode se perder numa desordem ou em uma nova ordem, na qual os interesses individuais tendem a suplantar os interesses voltados ao bem-estar coletivo. Cada um estaria voltado para a busca de experiências pessoais exclusivas, de sensações prazerosas e imediatistas a despeito da organização coletiva.
A humanidade é bombardeada por informações, influenciada pelos meios de comunicação e pela utilização de novas tecnologias. A mídia cria demandas de consumo, que muitas vezes nada tem a ver com a necessidade do sujeito, oferecendo ao indivíduo várias possibilidades de identificações e exercendo papel de formadora do “eu. Tudo isso coloca o sujeito na posição de mero espectador do espetáculo que cria expectativas de prazer.
Nunca, na história da humanidade, o local e o global estiveram tão intimamente ligados à formação de sua identidade. Cabe ao sujeito pós-moderno construir uma identidade estável e que se sustente na trama histórica que se desenrola no tempo e no espaço.
Para isso, o homem pós-moderno além do autoconhecimento precisa aprender a conviver com as mudanças de forma realística. É preciso buscar equilíbrio. É difícil imaginarmos hoje o mundo desinformatizado, desconectado e desglobalizado, estamos no meio de transformações profundas, sem saber para onde caminhamos, à deriva, tragados pela conjuntura de valores denominada “Modernidade Líquida” expressão usada pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman que analisa a fundo os problemas sociais que norteiam a experiência cotidiana do homem contemporâneo.
A identidade, como sentido de pertencimento e de localização no tempo e no espaço, pode parecer que é algo muito palpável, fixo e objetivo. Porém, Bauman nos alerta que no contexto atual do capitalismo tardio, vivemos o que ele denomina de modernidade líquida, na qual qualquer busca por uma identidade estável dentro de uma comunidade segura é impossível. Isso ocorre por conta da velocidade das transformações, dos excessos de deslocamentos, das fragilidades dos laços humanos, da filosofia das relações sociais descartáveis e dos estilos de vida que são vorazmente vendidos e consumidos.
É nesse sentido que Bauman faz uma crítica da visão ingênua de que a construção de identidades é algo sempre bom, quando enfatiza que a busca por um sentido de pertencimento num grupo pode favorecer mais a demarcação de diferenças que sejam transformadas em desigualdades, gerando conflitos e intolerâncias nacionalistas, religiosas, políticas, sexuais, culturais, étnicas e de toda a sorte de opiniões.

Complexo e contraditório como é, o pós-modernismo não só expressa a realidade social fragmentada do presente, legitimando-a, mas também corporifica, em inúmeros aspectos, uma atitude de insatisfação, de rebeldia implícita em face dela, trazendo algumas observações agudas que nos ajudam a compreendê-la.

O reconhecimento dos méritos de alguns autores pós-modernos, contudo, não atenua a crítica de fundo que Terry Eagleton, como marxista, faz ao pós-modernismo, caracterizando-o como uma maneira de enxergar a realidade que resulta numa aceitação da fragmentação, resultando num esvaziamento da história e numa repulsa a qualquer totalização. Como não há mais nenhuma totalidade social, não pode haver nenhum sujeito coletivo totalizante, capaz de encaminhar um projeto de transformação da sociedade como um todo: o que se pode esperar de melhor é a realização de pequenas reformas, modestos reajustes institucionais.
Concluindo, as ilusões do pós modernismo se mostram na realidade de como lidar com as dicotomias. No cotidiano o que se impõe como mais urgente é conciliar as ânsias por individuação e a geração de códigos de ética capazes de mediar os conflitos de uma sociedade definida pela multiplicidade e pela insustentável leveza da fluidez.

Referências Bibliográficas:

BAUMAN,  Zygmunt – Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001
EAGLETON, Terry - As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro:Zahar, 1998.
HALL, Stuart- A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:DP&A,1997.


Nathalia Leão Garcia
Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2017 



terça-feira, 12 de setembro de 2017

ENVIO AO CÉU

             Meu querido amigo Israel!

          Hoje lhe conto da emoção que reverbera no meu ser, com a leitura do Conto Olhos D´água de Conceição Evaristo. A emoção do seu texto caiu na minha emoção e desaguou em uma torrente caudalosa de lembranças que se mesclam e escoam nos rios de lágrimas que escorrem dos meus olhos e se transformam na trama da minha “escrivivência”, que veste a minha fragilidade, com o tecido da dor que me faz guerreira dos olhos molhados.

         Carrego em mim a doce lembrança de minha avó materna que me criou. Ela partiu cedo desta vida, mas me deixou de herança seu amor e os melhores fios que me tecem.  Quando menina, costumava cumprir um ritual de adoração: toda vez que ia à praia, trazia um baldinho com água do mar para banhá-la na nossa banheira. Eu aspergia as gotas da água do mar sobre o seu corpo como que reverenciando à Rainha das águas. Minhas referências sincretizadas, Oxum, Nossa Senhora da Conceição, minha avó as representava todas numa só carne. Na minha imaginação, essa água era benta e a imantava com a minha gratidão e desejo que vivesse para sempre!

        Muitas referências se refazem e dançam em volta de mim. Invoco uma prece feita por Maria Gadú (Cila) a Deus do céu onde habitam você meu amigo Israel e minha avó: 

“Ó meu pai do céu, limpe tudo aí  
Vai chegar a rainha  
Precisando dormir
Quando ela chegar
Tu me faça um favor 
Dê um manto a ela, que ela me benze aonde eu for

O fardo pesado que levas
Deságua na força que tens
Teu lar é no reino divino 

Limpinho cheirando a alecrim


       Sim Israel, a música e a escritura me servem de resistência para não sucumbir a tortura da dor da ausência. Me cubro com essa espécie de parangolé, colcha de retalhos formada dos pedaços de memória rebelde, que se recusam a ir embora. Trago em mim  esta rebelião contra o mito freudiano de Édipo. Componho-me da ancestralidade das Deusas, mulheres que fizeram parte da minha vida e colorem minha pele de muitos tons.

       Recuso-me a crescer! Quero manter a eterna criança que deseja poesia que me provoca e desafia. Pois, crescer é perder a poesia. Talvez por isso, nós adoecemos à medida que nos afastamos da infância e da poesia consequentemente. Através da poesia, desapego desse ser doentio, apático e repetitivo, apartado da dúvida e da criatividade. Questiono os podres poderes e não me encaixo nos moldes. Não sirvo a esses senhores, não sou escrava do sistema capitalista! Reciclo todas as representações e me reinvento, buscando novos caminhos coados do peso da culpa. Todas as mulheres encerram em si canções de rebelião que pendem para um lado ou outro das questões que marcam a nossa sociedade partida por clamores de liberdade. Estou possuída, incorporada da revolta no melhor sentido nietzschiano, preciso matar aquilo que me mata! Grito por todas as mulheres com a esquizofrenia militante, sou filha de uma feminista, da revolução contra a ditadura, da fome por justiça e igualdade!  Espero que esta saga feminina ancestral me inspire a levar avante o grito pela libertação das correntes. O peso das responsabilidades não me tira o ânimo. Alcanço a leveza através do amor que incinera a covardia.

        Meu caro amigo Israel, o conto de Conceição Evaristo desagua meus olhos que se sensibilizaram ao passearam pelo Quarto de Despejo de Carolina de Jesus. A realidade das mulheres que se repete no cotidiano de uma população que vive o preconceito em especial às mulheres negras e pobres como no relato da jornalista Bianca Santana do movimento Não me Khalo

        Israel, meu doce amigo-anjo judeu, daí das alturas onde você vive agora, pode ver o meu esforço para não esquecer das minhas origens. Trago em mim a fome de vida dos refugiados da inquisição, que alcançaram o exílio nas terras tupiniquins em busca da liberdade de professar as suas crenças. Por que se mata em nome de Deus? Não encontro resposta para essa iniquidade. Lembrar convoca a dubiedade do amargo remédio: o veneno, é também o antídoto. O que não me mata, me fortalece como falava Nietzsche.

       Respondo a você amigo Israel, se me fosse dada a possibilidade de voltar a viver, eu aceitaria de bom grado revistar todas as dores e delícias. “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes. Sou os muitos livros que li, as bênçãos, rezas, pajelanças, dívidas, dúvidas e dádivas que contraí. Sou feita de sustos, soluços, lágrimas, gargalhadas, bem-queiranças. Confesso que vivi, lembranças das andanças, muito mais das esperanças, divididas com quem convivi.

     Fique em paz meu amigo, mas com o rebuliço das reminiscências da minha escrivivência! 

Nathalia Leão Garcia
Rio de Janeiro, 12 de setembro de 2017 


Salvador Dalí

                               

quinta-feira, 29 de junho de 2017

REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA

Escrevo agora pela necessidade de me pronunciar sobre os acontecimentos atordoantes que se desenrolaram nas dependências de nosso Colégio na noite do dia 27 nesta terça-feira. Com um sentimento de absoluta perplexidade, fomos todos golpeados por uma brutal irracionalidade e é muito duro constatar o quanto podemos ser regredidos em matéria de civilização! Dói muito essa sensação de incompreensível primitivismo, mas neste momento temos que refletir sobre a nossa parcela de conivência com o desrespeito e a intolerância que sinalizam o mal-estar que acomete a nossa sociedade doente! 

Não há nada que justifique as grosserias e faltas de respeito com o próximo,  porém vivemos momentos desafiantes em que nossos limites são esgarçados e nossas certezas despedaçadas. Impõe-se questionamentos que rondam a nossa condição de  seres civilizados. Aonde estão os nossos valores? O que nos torna humanos? Será que perdemos o rumo? Aonde erramos? Onde estão as respostas? Ir de encontro aos nossos princípios pode nos fornecer algum tipo de alento. O que nos torna vulneráveis talvez nos ajude a buscar compreensão e apoio seja uns nos outros, nas nossas famílias, na fé ou em algum religare que nos faça prosseguir nesta caminhada. 

Ontem estava conversando com o Professor Tobias e lembrei de suas palavras acalentadoras que comparam a sala de aula a uma espécie de templo em que somos envolvidos por uma aura tão elevada que nada de mal pode nos atingir.

Já são tão grandes os obstáculos que enfrentamos no cotidiano! Nossos dirigentes dão os piores exemplos de desonestidade e descaso com a população. Figuras de autoridade estão se desmoralizando. Os que deveriam nos proteger nos achacam. Porque sou professora estabeleçouma correlação com a decadência do Ensino no Brasil e com a situação da carreira de professor, sua desvalorização o que representa a crônica da morte anunciada. Receita de bolo: um país sem educação que não valoriza seus professores está fadado ao fracasso. Precisamos resgatar a esperança e a perspectiva de um futuro para os nossos jovens. É responsabilidade de cada um de nós!

Apelo a todos para que possamos nos elevar e povoar nossos pensamentos com o que temos de melhor: a arte do conhecimento, o ensino que é sagrado. Falo isso com todo o meu coração e com a convicção de que somos capazes de superar a barbárie e nos segurar na força das nossas mentes. Precisamos colher algum significado para esta crise. Não podemos sucumbir a selvageria! Eu os convoco para lutarmos juntos afim de superar os desafios. Defendo o que acredito e me ofereço para trabalharmos no resgate de nossa dignidade e para a construção de uma sociedade mais justa. Sim, depende de nós! Não vamos assistir ao enterro dos nossos sonhos, vamos empunhar as armas do bem e do amor! Precisamos entender que a convivência com nossos semelhantes requer aceitação e respeito. Que Deus nos ilumine e nos dê a sabedoria para encontrarmos a paz e a solidariedade!

REMINISCÊNCIAS E ESCRIVIVÊNCIA

                 Carrego em mim a doce lembrança de minha avó materna que me criou. Ela partiu cedo desta vida, mas me deixou de herança s...