domingo, 25 de novembro de 2018

Luiz Gama e a potência de um deslocamento: quando o outro se torna sujeito do discurso


As vozes negras foram alijadas do sistema literário brasileiro e permanecem até hoje numa espécie de clandestinidade. O Brasil apresenta problemas relativos ao “apagamento” e não identificação deste “sujeito” tão marginalizado ao longo do tempo, apesar de nosso povo ser formado por uma miscigenação racial. O significado simbólico dessa rara manifestação autoral negra pode ser identificada como elemento de resistência estética e política presentes nas suas obras, que contam outras histórias, engendrando, assim, diferentes formas de compreender e elaborar o mundo a partir de novas perspectivas históricas e sociais ao assumir o comando e a autoria de sua própria escrita. O resultado concorre para o estabelecimento de um sistema literário baseado na heterogeneidade, na pluralidade e na diversidade.
No presente ensaio, procuro levantar os elementos singulares percebidos na poesia crítica "Quem Sou Eu?", ou "A Bodarrada", de Luiz Gama, intelectual advogado autodidata, que foi o precursor do abolicionismo no Brasil a partir da ótica afro-brasileira. Nasceu em 1830 na Bahia filho de uma escrava Mina e um português e faleceu em 1882. Foi irreverente e inovador porque que se assumia como negro e tinha coragem de se expressar por meio da suas poesias que tinham um frescor renovador e deixavam claro seu ponto de vista diferenciado com relação às causas do negro no Brasil o que representou uma quebra na hegemonia do discurso privilegiado.
Sua história ímpar como advogado, escritor e ativista, revela a posição abolicionista no seu trabalho em tribunais de São Paulo conseguindo libertar mais de 500 escravos assim mantidos injustamente. Defendia valores republicanos e trabalhava ativamente na crítica da sociedade influenciada fortemente por ideologias racistas, como pode ser comprovado pela fala de Rui Barbosa que usou o termo "negro, mas genial" que teria sido utilizado como qualificativo ao se referir a Luiz Gama em momento pós-abolicionista.
A escritura autoral de Gama teve grande repercussão na época que publicou em 1859 seu único livro de poesias "Primeiras Trovas Burlescas do Getulino", uma coletânea de poesias satíricas que ridicularizavam a aristocracia e os homens de poder da época, numa clara intenção de desmontar a estrutura preconceituosa e a legitimação da fala “branca” para representar o pensamento identitário negro. Num país preconceituoso Luiz Gama reluzia o orgulho da sua cor e origens africanas que consolida a sua imagem no lugar que pertencia e que era dominado apenas pelos brancos. O eu poético mesmo vivendo em um tempo em que ser negro era sinônimo de ser escravo ou descendente de escravo.
Gama ousa escrever o seu tempo apropriando-se de vocabulário erudito, demonstrando gosto pelas alusões à literatura clássica e alegorias da mitologia grega. Também inaugurou a imprensa humorística paulistana ao fundar, em 1864, o jornal "Diabo Coxo". Como poeta satírico, ocultou-se, sob o pseudônimo de Afro, “Getulino e Barrabás”. Em seu célebre poema “A Bodarrada” ironizava quem tentava negar a influência africana na formação da identidade nacional brasileira. Gama demonstra orgulho de sua condição ao admitir no poema que também era bode (termo pejorativo usado para ridicularizar os negros), tornando-se o pioneiro escritor brasileiro a assumir completamente a sua identidade negra, o que o tornou fundador da literatura da militância negra no Brasil. A fim de estabelecer a sua marca crítica em relação à sociedade de seu tempo faz uso da palavra “bode” na referida poesia satírica como forma de retribuir de forma pejorativa o tratamento que era dado na época aos negros. Assumindo a identidade negra, ele também denuncia que os tais “bodes” se encontravam representados em toda a sociedade, chegando até os altos escalões da sociedade brasileira, como no trecho extraído:
“Se negro sou, ou sou bode
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda casta
Pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus e outros nobres.
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios importantes,
E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra,
Marram todos, tudo berra;”
Através da poesia “A Bodarrada” temos a oportunidade de refletir sobre a concepção da literatura negra no Brasil como forma de resistência e compreender as transformações ocorridas nessa construção de identidade e os fatores intrínsecos que foram cruciais para essa mudança de representação antes atribuída aos referendados intelectuais brancos como Joaquim Manuel de Macedo que representava a voz do abolicionismo chancelado pela classe dominante no Brasil. Gama usa a literatura como forma de expressão com o poder de construir ideologias, posicionamentos, imagens, representações de identidades da etnia africana e também ocupa um papel social de espaço de denuncia retratando a trajetória do negro na sua poesia. Essa construção de “identidade” tem íntima relação com os interesses econômicos, sociais, políticos e culturais, que são conhecidas e apontadas por Gama que detém o conhecimento do modo de operar da política desde a burocracia até a corrupção já entranhada nos hábitos deste país.
A literatura é referenciada como um dos pilares da formação burguesa humanista, que ao assumir um papel social de espaço de denúncia, retrata a presença da africanidade na construção da cultura nacional e toda a trajetória do negro. Assim se dá o posicionamento de Gama diante da problemática social negra no livro Gamacopéia de Silvio Roberto dos Santos Oliveira:
“Na poesia de Luiz Gama é imprescindível observar o deslocamento de olhar. Não é um olhar eurocêntrico versando sobre mestiçagem. Também não é um olhar africano. Não é o olhar branco comiserado pelas agruras negras. Não é o olhar negro apenas lacrimejando em território branco. Trata-se de um olhar plural a partir de uma perspectiva de um homem negro intelectualizado (OLIVEIRA, 2004, p. 230).”
Por fim, destaco como as características literárias desta poesia apontam para uma nova vertente dentro da literatura brasileira ao expor e dar voz aos negros. Desta forma o afro-brasileiro deixa de ser apenas objeto da enunciação para assumir o papel de sujeito com direito a vez e a voz enunciadora nas escrituras de Gama se apropriando de um direito que até então era dado somente aos brancos. Com sua atuação como líder político usa a sua raça, história de vida e a memória da escravidão para mediar a realidade social e as relações étnico-raciais que se materializam na construção de um lugar para o surgimento da identidade da diáspora negra. Porém, há muito o que fazer ainda para efetivar estas conquistas. Inclusive cabe informar que apenas neste ano de 2018, Luiz Gama foi declarado oficialmente o patrono da abolição dos escravos no Brasil e foi escrito no Livro dos Heróis da Pátria, honraria post-mortem concedida pela presidência de um país que não fez as pazes com a sua memória.
Referências
A luta pela identidade: a construção de uma literatura autenticamente negra dos séculos XIX ao XXI. Disponível em http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/trabalho_ev056_md1_sa9_id1250_20082016000521.pdf
Lei declara advogado Luiz Gama patrono da abolição da escravidão no Brasil. disponível em : https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI272598,81042-Lei+declara+advogado+Luiz+Gama+patrono+da+abolicao+da+escravidao+no
Luís Gama e a Consciência Negra na Literatura Brasileira. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/afroasia/article/viewFile/20858/13458
Luiz Gama - Heróis. Disponível em: http://antigo.acordacultura.org.br/herois/heroi/luizgama
Luiz Gama e a sátira racial como poesia da transgressão: poéticas diaspóricas como contra narrativa à ideia de raça. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alm/n11/pt_2236-4633-alm-11-00707.pdf
OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia: ficções sobre o poeta Luiz Gama. Campinas, SP, 2004. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/269857/1/Oliveira_SilvioRobertodosSantos_D.pdf
O Negro como Sujeito na Poesia de Luiz Gama, TCC 2013. Disponível em: http://www.saberaberto.uneb.br/jspui/bitstream/20.500.11896/825/1/TccDarleteSilvaMagnoliaPaixao.pdf

Os desafios em docência: os fundamentos da educação e práxis


Por Nathalia Arêa Leão Garcia de Souza
Com as mudanças vertiginosas que estão em processo nos últimos anos, a perplexidade dos dias de hoje impõe a discussão sobre o sentido de ser professor somado à inquietação da sociedade acadêmica sobre qual é o papel da escola e muitas controvérsias em torno do que é ensinar e aprender. Há uma vertente que ataca o chamado modelo tradicional de educação, apontando-o como causador da exclusão social e da impotência dos indivíduos frente à tarefa de transformar nossa sociedade em um modelo mais justo e sustentável. Na verdade, a escola reflete o que a sociedade vive: violência, questionamentos profundos sobre autoridade e falta de liderança. Como futuros docentes a reflexão sobre esses problemas nos desafia a resgatarmos nossos próprios valores e sonhos, questões levantadas pelo professor Moacir Gadotti no seu livro “A Boniteza de um Sonho”: “O que estou fazendo aqui?”, “por que não procuro outro trabalho?”, “para que sofrer tanto?”, “por quê, para ser professor?”. Acrescento as minhas indagações: Que sociedade eu quero? O que me motiva? Quais os princípios que norteiam o nosso trabalho como professores?
A escola lida com tradições e mudá-las traz no bojo conflitos e medo do desconhecido. O pensamento que norteia o ensino tradicional é o raciocínio lógico e linear. Com a transformação da sociedade em rede, globalizada e conectada o tempo todo, não é mais linear e sim simultânea e sobreposta como diz a filósofa Viviane Mosé. A sociedade e o pensamento se baseiam em acordos e a verdade é um campo de forças. Verdade e Ciência substituem a fé e a Religião. Este é o abismo civilizatório que vivemos. Através da virtualidade nos tornamos humanos assumindo princípios, leis, tabus e direitos pela consciência. Assim as práticas educacionais estão relacionadas aos períodos da história da humanidade e o que é valorizado a cada momento.
Com a civilização grega essa gestão se expressou no conjunto de leis criadas para defender os interesses dos cidadãos. O surgimento das pólis ou cidades/Estado foi um marco que trouxe para a convivência os limites da atuação dos indivíduos que se organizavam socialmente para criar as leis. A educação diz respeito à pólis e seus códigos. Em “A República” o filósofo grego Platão (428-347 a.C.) fala sobre a sua preocupação com a relação entre educação e sociedade em sua época e preconiza que o Estado deveria ser responsável por educar os jovens baseado na filosofia em tese. Sendo assim, a prática pedagógica estaria ligada aos valores e leis estavam centralizadas no poder central do Imperador.
Surgiram ao longo do tempo diversas doutrinas pedagógicas, cada uma relacionada com o contexto e as condições históricas em que foram produzidas, na tentativa de formar o “homem” e a sociedade de acordo com determinadas premissas que privilegiavam determinados grupos em detrimento de outros. Na Antiguidade romana, na Idade Média, no Renascimento, na Idade Moderna e Contemporânea surgiram, por exemplo, diferentes formas de conceber a cultura e o lugar ocupado pelos distintos grupos de indivíduos nas sociedades, gerando a criação de novas perspectivas de ensino na prática e teorias educacionais que baseadas em correntes pedagógicas que divergiam no equilíbrio da relação aluno-professor.
A corrente pedagógica Iluminista trouxe contribuições inéditas como a relação entre educação e política, defesa da escolarização feminina, centralização do tema da infância, educação pública e laica além de reivindicar a participação dos indivíduos como cidadãos na sociedade democrática da recém criada classe burguesa. Nasceu do pensamento revolucionário contra o regime absolutista, o poder da nobreza e a doutrinação do clero. Tinha como principal expoente o filósofo Jean-Jacques Rousseau. As limitações da Pedagogia Iluminista provinham da fragilidade das teorias sobre liberdade individual que na prática eram restritas a poucas pessoas, a educação universal de fato era diversa segundo a classe social, assim havia a aceitação da desigualdade como natural entre os homens pela imposição dos interesses burgueses da Revolução Francesa.
Já no pensamento pedagógico de orientação Positivista, Evolucionista e Funcionalista há a primazia do cientificismo impulsionado pelos avanços tecnológicos da Revolução Industrial. Reconheciam a Ciência como organizadora das relações sociais e com as descobertas de Darwin acreditavam que a educação era o caminho para o alcance da perfeição, onde a sociedade evoluía linearmente para a racionalidade e o perfeccionismo. A perspectiva era conservadora e não permitia o entrelaçamento dos grupos sociais considerando como patologia a rebelião dos indivíduos contra as condições desfavoráveis que deveriam ser “tratados” para a volta à normalidade do “grupo social”. Suas restrições no campo pedagógico se materializam na concepção elitista e segregadora da sociedade, criticavam a democratização das escolas, os currículos escolares e dividia os estudantes entre “aptos” e “não aptos” além de defenderem a criação de escolas especiais para as “escórias sociais” integrada pelos deficientes físicos e mentais, pois acreditavam na supremacia racial como os nazistas e fascistas.
O pensamento pedagógico Socialista é herdeiro da tradição Iluminista e surge das revoltas proletárias após as Revoluções Industrial e Russa trazendo o desejo de uma real democratização do ensino a partir da crítica à concepção burguesa elitista e ao liberalismo econômico. O objetivo principal era promover a distribuição equilibrada de bens e serviços que deveriam ser acessíveis para toda a população. Há uma divisão da corrente filosófica e pedagógica em duas etapas o Socialismo Utópico e Socialismo Científico que diferiam na forma de concepção: para a nuance Utópica poderia se chegar à justiça social mesmo dentro do Capitalismo através de medidas de radicalização da democracia e controle popular do Estado; para o Socialismo Científico a justiça social só é alcançada através do Comunismo com a inexistência da divisão de classes. O Socialismo pedagógico alcançou vários ganhos na orientação pedagógica para a classe trabalhadora a partir do Manifesto Comunista de Marx e Engels (criadores do materialismo dialético) como a erradicação do trabalho infantil, o papel do Estado que deveria custear o ensino da população, a educação politécnica articulada com o trabalho burguês e o combate ao autoritarismo dos professores burgueses que culminaram com a ascensão de Lenin e suas Teses de Abril na União Soviética. Mas as críticas dentro da própria teoria socialista surgem, como exemplo temos a proposta de Gramsci que defendia uma escola crítica, criativa e que adotasse o modelo clássico e profissional ao mesmo tempo. Gramsci contempla a deterioração e decadência dos processos da Revolução Russa a partir do fracasso pragmático da realidade dos trabalhadores, propondo que a formação de intelectuais orgânicos a fim de não reproduzir as relações elitistas do Partido Comunista com a sua burocracia estatal que é apontada como principal causa do fracasso dos regimes socialistas.
O pensamento Socialista continua a influenciar a pedagogia até os nossos dias e sua principal contribuição é considerar a atividade educativa como ferramenta estratégica para a transformação social. Uma importante visão provém do educador marxista Vygotsky que concebia a escola como um ambiente social onde o professor tem função de mediador entre o sujeito e o conhecimento. Para o bielorrusso Vygotsky o desenvolvimento do ser depende de interações em dois níveis, o real que se refere a tudo que a criança consegue realizar de forma independente e o potencial que abarca tudo que a criança não consegue realizar de forma independente e que precisa de auxílio. Também inspirado pelos ideais marxistas, surge o educador brasileiro Paulo Freire que preconiza que a aprendizagem só ocorre através do diálogo e autorreflexão a partir de questões problematizadoras. Para Freire tanto o professor como o aluno aprendem através de um método centrado na necessidade de consciência social e na importância do "outro". “ E esse processo se dá pela compreensão do ofício de professor como profissional que ajuda a construir, por meio da mediação e do diálogo, sentidos e significados para a vida. Como Paulo Freire dizia, a educação tem o papel de “encharcar” de sentido as experiências vividas, experimentadas e desejadas, de mediar a construção de sentidos entre as biografias dos sujeitos e a história, sem nunca perder de vista a relação recíproca entre ambas. É, sem dúvida, um profissional da “esperança”, como aponta Gadotti, sem ser ingênuo ou conformista”. O papel do professor para Freire é desenvolver a criatividade e a capacidade crítica dos alunos e assim contribuir no desenvolvimento da cidadania.
A Escola Nova surge como impulso ao desenvolvimento de práticas didático-pedagógicas ativas. Destacam-se como representantes o norte-americano John Dewey, que pregou a democracia dentro da escola em seu livro Democracia e Educação. A questão da igualdade e da liberdade eram consideradas fundamentais para a educação concebida por Dewey. O movimento escolanovista representou também uma adequação educacional ao crescimento urbano e industrial. Um de seus pilares foi a identificação dos métodos pedagógicos com a ciência. Inseriram-se na crença em uma "pedagogia científica" tanto Maria Montessori (médica e educadora italiana) como o belga Ovide Decroly. Montessori buscou os princípios de uma autoeducação motivada por materiais pedagógicos. Além de Dewey, Maria Montessori e Ovide Decroly destacam-se os seguintes nomes: Adolphe Ferriere, William Heard Kilpatrick, Édouard Claparede, Jean Piaget, Roger Cousinet e o brasileiro Anísio Teixeira, entre muitos outros, foram considerados, apesar das diferenças, escolanovistas e adotavam o pragmatismo filosófico. A Escola Nova tem seu maior enfoque na democracia e na importância da participação política como elemento central do fazer pedagógico.
Tanto a Escola Nova, a Fenomenológico-Existencialista e as do Pensamento Pedagógico Crítico defendem a necessidade e a importância da expansão da escola pública, laica e obrigatória, algo que será de extrema importância para reforçar a cidadania e a democracia de massa. O maior legado do Pensamento Pedagógico Crítico é a autocrítica que alerta sobre como práticas educativas progressivas que apesar de bem-intencionadas podem estar mal orientadas e apenas reproduzindo práticas opressoras, e as denuncia, mesmo se declarando alternativas ao modelo burguês, apenas o reproduziam.
Para dar uma dimensão da complexa relação entre “teoria” e “prática” no fazer pedagógico do educador brasileiro reproduzo a perspectiva de Dermeval Saviani (1983, p. 43):
Imbuído do ideário escolanovista (tendência 'humanista' moderna), ele é obrigado a trabalhar em condições tradicionais (tendência 'humanista' tradicional), ao mesmo tempo que sofre, de um lado, a pressão pedagógica oficial (tendência tecnicista) e, de outro, a pressão das análises socioestruturais da educação (tendência 'crítico-reprodutivista').”
Sempre houve tensões na relação indivíduo-educação-sociedade e os sujeitos não dialogavam entre si de forma harmoniosa, apesar das afinidades e continuidades, havia também contradições, ambiguidades e disputas de poder. Deste modo, o entendimento do conjunto de tais ideias e perspectivas se dá pela via da multiplicidade e pluralidade. Em última análise, trata-se de uma arena de conflitos e disputas interpretativas sobre “o que é” e “qual é o papel” da educação. Teoria e prática muitas vezes não se afinam, porém o professor não pode perder de vista a sua responsabilidade como agente transformador da realidade na sociedade.
Em entrevista a docente Viviane Mosé, que tem mais de 30 anos de experiência, fala que a transformação da sociedade só pode ser levada a cabo por “pesquisadores”, isto é, “empreendedores e lideranças”, capazes de “desenvolver soluções para este mundo que desaba, que está em crise”. Teóricos e práticos devem trabalhar juntos. Segundo Mosé, tal objetivo não vem sendo alcançado devido ao “modelo lógico-racional de pensamento” adotado na gestão de políticas públicas e na gestão de sala de aula, como também pelos professores (que não devem ser culpabilizados) em razão do sistema universitário que os formou, sistema esse que é “horroroso, fragmentado, feito como uma linha de montagem com centros de saber separados uns dos outros”.
A história da educação no Brasil se inicia com a vinda dos jesuítas que trouxeram as primeiras escolas católicas que realizam “catequese” dos índios primitivos que foram doutrinados a partir da “demonização” da sua cultura e valores. Isto explica muito das raízes dessa colonização educadora.
Para responder as perguntas dos professores perplexos e desalentados, muitos fatores devem ser apontados como causa das mazelas do mundo contemporâneo. A desvalorização da profissão de professor que não goza de respeito nem respaldo junto à sociedade é a face mais cruel dessa crise.
Na dimensão técnica-pedagógica a educação deve ser focada no que se passa dentro da escola. Como ressalta Viviane Mosé, tivemos um grande avanço no alcance da educação que garante uma farta oferta de ensino democratizado, mas não dá conta do abismo entre as condições sociais em que vivemos. Sugere-se assim que houve uma preocupação com a quantidade das vagas para todos e a qualidade só será atingida numa constante necessidade de se adequar a mutante realidade. A escola precisa ter uma dimensão socioeducativa e não se alijar do papel de formar cidadãos com uma visão crítica e capacidade de atuar na sociedade. As metodologias e abordagens devem levar em conta a pluralidade e a quebra de preconceitos.
Outro fator é que o investimento humano foi preterido pelo investimento tecnológico pelo mundo afora nos diversos modelos de governo e esse descompasso criado pelo medo do diálogo aberto e honesto que ameaça às estruturas de poder instituído. Os professores muitas vezes são apontados como os influenciadores dessa revolução não desejada. A sociedade em rede quebra paradigmas de hierarquia não verticalizada. A internet propõe uma ordenação de bilhões de pessoas sem um “pai” ou líder reconhecido. Todos promovem conteúdos e compartilham em rede. Alunos ativos podem desdizer as informações dadas pelos professores pelo acesso a internet e às fontes originais de pesquisa. Há descentralização do conhecimento, portanto a escola dos nossos dias precisa dar conta de que o professor não é o centro das atenções e o senhor do conhecimento. Os alunos devem ser coautores do processo educativo e se apropriarem do poder de discutirem, discordarem entre si e do professor. A experiência individual ganha contornos motivadores e estudantes que se identifiquem na dinâmica de projetos de pesquisa a partir de questões problematizadoras oriundas da realidade que têm muito mais a acrescentar ao desenvolvimento de múltiplas competências que serão fundamentais para encarar o mercado de trabalho mutante, competitivo e globalizado.
Outro fator crucial é a dimensão do afeto na formação da ordenação moral e ética dos indivíduos. Incluir nas reuniões da escola os pais, aproxima os anseios e responsabilidades no sentido de lidar com a complexidade do pensamento das crianças e jovens.
Concluo que o amplo debate de inclusão tem que envolver todos os atores e os currículos precisam ser pensados levando em conta as novas exigências e ordenações mundiais, pois não há mais sentido em baseá-los nos conteúdos arcaicos. Importa mais o que o estudante faz com o que é aprendido e o torna autônomo e responsável. A escola precisa se reinventar com este caldeirão de saberes deixando-se atravessar pela arte, criatividade e cultura diversificada para se tornar um lugar de alegria e encantamento com o saber. As teorias precisam se aliar a práxis no seu melhor sentido de contemplar a atividade humana em sociedade e na natureza. Essa é a grande celebração do conhecimento e da humanização do processo de ensino-aprendizagem.
Referências bibliográficas:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996. Disponível na Biblioteca Virtual

A concepção socialista da educação e os atuais paradigmas ... – SciELO disponível em: www.scielo.br/pdf/es/v18n58/18n58a05.pdf

A educação contemporânea e os desafios da escola no Brasil, com Viviane Mosé. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jeahVHKvXyE
GADOTTI, M. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2007. Disponível em: https://docplayer.com.br/6255790-Boniteza-de-um-sonho-ensinar-e-aprender-com-sentido.html
Introdução às abordagens e perspectivas pedagógicas – Parte 1 - Unidade 2. https://unijorge.instructure.com/courses/3412/files/885781?module_item_id=51762 acesso em 10 de nov. de 2018
Introdução às abordagens e perspectivas pedagógicas - Parte 2 – Unidade 3. https://unijorge.instructure.com/courses/3412/files/885691?module_item_id=51767 acesso em 10 de nov. de 2018

REMINISCÊNCIAS E ESCRIVIVÊNCIA

                 Carrego em mim a doce lembrança de minha avó materna que me criou. Ela partiu cedo desta vida, mas me deixou de herança s...