quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

GRACILIANO RAMOS: A LITERATURA COMO ESPAÇO DO IMAGINÁRIO E DA CRÍTICA DA SOCIEDADE



 
O presente trabalho pretende discutir o enraizamento do Modernismo no Brasil e sua vertente Regionalista, segunda fase do Modernismo que se diferenciam através dos contrastes na forma de suas narrativas. Tomando como base de análise o livro Vidas Secas de Graciliano Ramos, discorremos sobre os aspectos da narrativa que representam a “Geração de 30” ou “Neo – Realista”.  O Regionalismo trouxe as ambiguidades entre tradição e inovação além de expor de forma crítica as mazelas de regiões desprestigiadas do nosso país com as estórias realistas das pessoas simples que habitavam os Nordeste e Minas Gerais através de uma fala áspera que reproduzia com tonalidades diversas a estética Naturalista do fim do séc. XIX e suas manifestações na sociedade dos anos 1930. Já o Neo-Realismo foi um movimento artístico do séc. XX, marcado por um idealismo de esquerda, influenciado pela doutrina de Karl Marx trazendo à tona as lutas de classes. No Brasil este movimento recuperou elementos Realistas e Naturalistas, adotando práticas modernistas, marxistas e da Psicanálise de Freud. A Literatura Neo Realista é representada na obra Graciliano Ramos que preserva o determinismo social e psíquico, a perspectiva imparcial e um olhar objetivo e também as comparações entre seres humanos e animais. Graciliano Ramos nasceu em 1892 numa cidade do interior de Alagoas, primogênito de 16 filhos numa família que vivia as agruras das secas no sertão nordestino, marcado pela violência e pela personalidade dura de seus pais, interessou-se desde cedo pela temática agreste, seus problemas sociais e a análise crítica das relações humanas. Teve uma boa educação que o instigou o amor pelas letras, trabalhou como jornalista, funcionário público, encarregado de educação, chegou a política como Prefeito da cidade de Palmeira dos índios em Alagoas, numa trajetória heterodoxa e que desafia as convenções vigentes. Por assumir a militância política contrária ao Governo Vargas, é preso em março de 1936 sendo acusado de conspiração e participação nas revoltas comunistas de 1935, dessa experiência ficam as impressões escritas em “Memórias do Cárcere” que foi adaptado para o cinema também. Mais tarde viaja pelo leste europeu e filia-se ao Partido Comunista.  Considerado como o escritor de maior expressão da Geração de 30, com a sua literatura que denunciava as desigualdades e as arbitrariedades dos “donos do poder”: governo, polícia, os proprietários de terras que representavam a classe mais prestigiada da sociedade e a sua opressão sobre o povo que não dominava a língua portuguesa padrão e por sua ignorância era facilmente controlado pelo Estado.
Vidas Secas escrita em 1938, em plena concordância com a Geração de 30 e o Neo-Realismo, aborda temas como injustiça social, miséria, fome e seca dos nordestinos na sua saga de retirantes, numa forma pessimista e determinista em 13 capítulos fragmentados que podem ser lidos em qualquer ordem, representando uma ruptura com a linearidade temporal numa linguagem seca e impessoal da narrativa em terceira pessoa, econômica suprime advérbios e adjetivos, trazendo embutida uma crítica social contundente.  O livro explana a realidade brutal e inexorável da vida de uma família de retirantes da seca com uma visão animalizada dos seus personagens Fabiano, Sinhá Vitória, os filhos mais velho e mais novo além da cadela Baleia que esta sim parece mais humana e traz a parte mais emocionante da estória que ganha enorme empatia do público com suas ideias, pensamentos e reflexões na descrição detalhada de sua morte trágica dolorosa e impactante.  A narrativa evidencia a opressão e a violência dos agentes do poder: o patrão-dono da propriedade, o governo autoritário, a polícia arbitrária que representa a lei e a seca que é um personagem onipotente. O pai Fabiano é bastante brutalizado numa alusão naturalista e dominado por vícios como a bebida e os jogos. Os personagens seguem numa vida acomodada, conformando-se com as condições impostas determinantes do seu destino, sem esperanças ou reflexões filosóficas acerca da sua realidade.
O Regionalismo da obra Vidas Secas nos incita a indagar acerca das modalidades de relações entre esses sistemas culturais regionais e a literatura brasileira em questão.  Pela leitura dos excertos no artigo de Arruda, Modernismo e Regionalismo no Brasil: entre inovação e tradição, vemos a existência de uma descentralização da cultura que” resultou da própria formação do país, uma vez que a dispersão geográfica da atividade econômica produziu a tendência ao caráter independente das regiões; à perda de dinamismo corresponde “um lento processo de atrofiamento” que se constitui a dinâmica mesma “de formação do que no século XIX viria a ser o sistema econômico do Nordeste brasileiro [...]. A estagnação da produção açucareira não criou a necessidade – como ocorreria nas Antilhas – de emigração do excedente da população livre formado pelo crescimento vegetativo desta” (Furtado, 1963, pp. 79-80).
”No Brasil não se deu o movimento da substituição da atividade dominante, ou do aprofundamento da regionalização de forma a estabelecer as bases futuras de outros países, como foi o caso da América espanhola.” (Idem, p. 104) “Essas distintas regiões viviam independentemente e tenderiam provavelmente a desenvolver-se, num regime de subsistência, sem vínculos de solidariedade econômica que as articulassem. (Idem, p. 96)
Na articulação entre discurso do Regionalismo com as suas tradições que traz um olhar crítico de resistência, vemos as contradições da sociedade da época marcada pela diversidade, os nuances da rebeldia e busca por inovações do Modernismo da primeira fase centrado no eixo urbano Rio-São Paulo. Deixo aqui o questionamento sobre como o determinismo das condições adversas somado a uma política educacional equivocada que preferiu manter uma aparência de hegemonia na identidade nacional. A estética do Regionalismo da Geração de 30 escancara a desigualdade no processo de modernização do Estado Brasileiro. Através da dificuldade no acesso ao letramento encontra-se uma forma de impedir a libertação e independência do povo que assim poderia manter-se dominado para sempre.  As raízes da submissão se encontram nessa ideia de largar os desvalidos relegados a própria sorte, independentes e desarticulados. O pensamento dominante infundido era de que forte mesmo é o que sobrevive às condições adversas e mantém-se acomodado e dominável o que vigora infelizmente até hoje, perpetuando a visão pessimista trágica e imutável dos deserdados, excluídos e sujeitos ao preconceito como explanado pelo personagem Fabiano nas suas rasas divagações.

Referências:

ARRUDA, M. A. N. Modernismo e regionalismo no Brasil: entre inovação e tradição. Tempo social. São Paulo, v. 23, n. 2, p. 191-212, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702011000200008&script=sci_abstract&tlng=pt.
Acesso em: 4 nov. 2019.

BRUNACCI, M. I. Graciliano Ramos: um escritor personagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. Biblioteca Virtual.


Escritores de Neo-Realismo. Disponível em: https://www.infoescola.com/literatura/escritores-do-neo-realismo/  Acesso em: 5 nov. 2019.
Realidade e representação no romance regionalista brasileiro: tradição e atualidade. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/o_eixo_ea_roda/article/view/5908 Acesso em: 4 nov. 2019.

Resenha – Vidas Secas – Graciliano Ramos. Disponível em: https://atraidospelaleitura.wordpress.com/2018/06/15/resenha-vidas-secas-graciliano-ramos/   Acesso em: 4 nov. 2019.

Vidas Secas – Graciliano Ramos. Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=TlIGsVYCO0I  Acesso em: 4 nov. 2019.

Retirantes -  Cândido Portinari



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