O nome parece pomposo e altivo, mascarando o seu real e
prosaico significado: o medo anormal e irracional de aves. Confesso que sofro
deste transtorno que se traduz na extrema angústia e medo de perder o controle.
Senti-me encorajada a falar sobre este delicado assunto após assistir com muita
compaixão e identificação ao relato da cantora Luiza Possi no programa
Encontros com a Fátima Bernardes confidenciando sobre este ridículo calcanhar
de Aquiles!
Por este bizarro medo, desde a mais tenra idade sempre fui
alvo de bullying que naquela época era apenas escárnio, chacota e encarnação
mesmo!
Uma explicação para tão estranho temor pode ter origem no fato de que a minha mãe assistiu ao filme Os Pássaros de Alfred Hitchcock quando estava grávida de mim. Relembrando o filme do mais puro terror que aborda a fobia discorre sobre a história de um casal que luta pela vida desesperadamente contra a força mortal de aves que protagonizam uma série de ataques aos cidadãos indefesos da cidade de Bodega Bay na Califórnia EUA.
Diga-se de passagem, este não é um filme apropriado para
mulheres especialmente grávidas, porém mamãe foi uma mulher singular durante toda a sua vida.
Era um misto de libertária, behaviorista, neofascista e treinadora do BOPE na
educação das suas filhas, dentre as quais eu sou a primogênita.
Os traumas que lembro com os pássaros são posteriores à
ornitofobia instaurada. Aos meus 15 anos minha mãe fez uma de suas experiências
terapêuticas comportamentais com inspiração behaviorista: desafiou-me a entrar num viveiro de pássaros
ornamentais do porte de galinhas, galos e perus no sítio de um amigo da família
a quem eu gostava de impressionar pela bravura. Eu tinha uma reputação a zelar, era a mais
velha de uma tropa de 5 crianças e era tida como intrépida e destemida, pois
havia matado uma cobra coral a tiros de espingarda para proteger os petizes! Pois muito que bem, entrei no tal covil das
feras que era fechado e diante da platéia incrédula, fechei os olhos e “ saí fora do meu corpo”
enfrentando o medo. Aos calafrios vertiginosos sentia o bater das asas dos
pássaros em fuga, roçando na minha pele, meu coração saltando pela boca e eis que eles sumiram sem deixar rastros! Ufa!
Sobrevivi a esta prova de fogo!
Anos mais tarde, já na Faculdade de Psicologia na UFRJ, fazia estágio em Psicofarmacologia no
Instituto de Psiquiatria que consistia em observar os pacientes em seu horário
de lazer no pátio da clínica e eis que surgem do nada
um pequeno exército de pombos, patos, gansos, marrecos, pelicanos , flamingos , galinhas , perús ... e
derivados alegremente interagindo com os
doentes em recreio! Foi o pior mico da minha vida, não consegui controlar a minha
reação de pavor, saí correndo aos gritos diante dos olhares de pena dos
internos! Soube depois que o convívio com os emplumados fazia parte da
terapêutica dos internos. Estava acabada a minha carreira como Psicóloga depois
deste vexame no hospital psiquiátrico, mas não desisti e ainda tentei estagiar
no Pinel!
Outro
episódio memorável ocorreu alguns meses depois, quando atravessava a Praça XV
rumo às Barcas na companhia de uma amiga que estudava Medicina na UFF em Niterói:
um pombo preto cismou de pousar na minha cabeça e se aninhar nas minhas longas
madeixas! Desmaiei como efeito e acordei
sendo socorrida pela minha amiga e rodeada de uma multidão de curiosos!
Desde
pequena provoquei mudança nos hábitos alimentares da família porque não
aceitava visitar aviários nem tampouco comer aves de qualquer espécie!
Costumava fazer discursos a favor das pobres criaturas para convencer outras
pessoas a excluir carne de aves do cardápio! Tornei-me macrobiótica aos 18 anos
para evitar os encontros desagradáveis com as tais criaturas!
O
meu problema maior é deflagrado quando as aves levantam voo, a simples
lembrança das penas das asas me arrepia toda e tenho vertigens!
Há
alguns anos venho controlando os ataques de ansiedade com meditação e auto hipnose.
São técnicas para lidar com os desagradáveis sintomas.
Teorias apontam o medo como um fator de sobrevivência que nos preserva de
perigos de morte, como no experimento com ratos que ficaram na mesma caixa com uma
cobra, os que sobreviveram não a enfrentaram ficando parados. Na vida em geral,
quando o medo é exacerbado nos paralisa e impede de viver. O excesso de
controle nos isola do convívio que nos amedronta e nos impõe um cárcere estéril
e asséptico.
A cura passa pela busca do entendimento e elaboração dos significados simbólicos do sofrimento e dos sintomas desenvolvidos, bem como a elucidação dos ganhos secundários obtidos desses.
A cura passa pela busca do entendimento e elaboração dos significados simbólicos do sofrimento e dos sintomas desenvolvidos, bem como a elucidação dos ganhos secundários obtidos desses.
Nathalia Leão Garcia
Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2014
Alfred Hitchcock_- cena do filme "The_birds"
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