sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

MULHER SEM PARTIDO



Há o outro lado da moeda como sempre! 
Há mulheres de todos os tipos, não se pode generalizar. 
Absurdo definir que feminista tem que ser de esquerda!
Ser mulher não tem partido!
As causas são plurais e reais.
As vozes não podem ser caladas!
É violência não acolher os gritos de socorro!
Religiões e crenças não nos definem.
Vivemos uma grande confusão sobre papéis e identidades. 
Nós mulheres assumimos responsabilidades.
Cada uma dá conta da sua vida.
O que é bastante saudável. 
Mas é desumano não se condoer!
Ter empatia pela outra nos torna mais fortes.
Mas não abrimos mão de ser femininas, como eu.  
Ser responsável e se sustentar não exclui o cuidado e proteção, 
não no sentido paternalista, 
mas por carinho e atitude amorosa. 
Infelizmente acredito que se faça uma confusão. 
Ser independente financeiramente não é dispensar amor e cuidado. 
Eu gosto de ser tratada com respeito e carinho.
Isso não significa que seja frágil e dependente. 
Ninguém é metade, somos inteiras que transbordam.
Os discursos sexistas falam de expectativas não correspondidas. 
Taxar falas de ilegítimos e desqualificá-las é falta de respeito! 
Sinto muito, mas vou continuar a mandar minha “mensagem na garrafa”. 
Quem sabe o tal “ser” sensível não desperta. 
Enquanto isso, enfeito o meu jardim para atrair as borboletas!  



Nathalia Leão Garcia

Rio, 14 de dezembro de 2018.



terça-feira, 11 de dezembro de 2018

DISCUTINDO SOBRE A ANSIEDADE


Já abordei o transtorno de ansiedade em meu relato pessoal de sofrimento pelo qual sou acometida a ornitofobia que é uma forma de transtorno de ansiedade associada à fobia a pássaros.

Acho importante divulgar a ansiedade que acomete uma em cada 4 pessoas em todo o mundo indiscriminadamente independente de cor, religião, gênero ou status social.

Num estudo divulgado pela Revista ISTO É em 2012, das cidades pesquisadas, São Paulo foi a que apresentava os maiores índices de incidência de episódios de ansiedade.

As famílias, empresas, escolas e a sociedade em geral estão adoecendo de forma coletiva e todos são afetados pelas ondas da massa. Vende-se soluções farmacológicas eficazes muitas vezes, mas que não dão conta de todos os problemas. Necessário se faz buscar as raízes de tanta ansiedade que se confunde com os medos irracionais.

A ansiedade tem raízes profundas antropológicas, fazia parte das reações que nossos ancestrais manifestavam diante de ameaças como a possibilidade de um ataque animal ou a morte por frio extremo. Preocupar-se com esses eventos, mantinha o corpo em alerta , mais tenso, pressão elevada, maior bombeamento de sangue . Se o perigo se concretizasse, o corpo estava pronto para reagir. Se não, o sistema era desligado. Esse esquema ficou gravado no cérebro humano como uma programação genética de instinto e até hoje entra em ação em situações interpretadas como risco. Essas circunstâncias podem ser reais ou fictícias, resultado de mecanismos psíquicos não totalmente esclarecidos. O problema é que se esse estado de preocupação se torna crônico, caso da ansiedade generalizada, ou leva a crises espontâneas, como ataques de pânico, deixa de ser uma reação natural. Causa prejuízos à saúde e à vida social, afetiva e profissional. Tornando-se uma doença. É preciso despertar e procurar ajuda.
Dividir informações faz com que possamos nos conhecer e aprender a desativar o acionamento das bombas que a mente arma para nos auto sabotar.

Segue um estudo sobre transtornos de ansiedade.

Transtornos de Ansiedade

Todos os Transtornos de Ansiedade têm como manifestação principal um alto nível de ansiedade. Ansiedade é um estado emocional de apreensão, uma expectativa de que algo ruim aconteça, acompanhado por várias reações físicas e mentais desconfortáveis.

Os principais Transtornos de Ansiedade são: Síndrome do Pânico, Fobia Específica, Fobia Social, Estresse Pós-Traumático, Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Distúrbio de Ansiedade Generalizada.

É comum que haja comorbidade e assim uma pessoa pode apresentar sintomas de mais de um tipo de transtorno de ansiedade ao mesmo tempo e destes com outros problemas como depressão.

No geral, os transtornos de ansiedade respondem muito bem ao tratamento psicológico especializado.
Saiba um pouco sobre cada Transtorno de Ansiedade:


Estresse Pós Traumático:
Estado ansioso com expectativa recorrente de reviver uma experiência que tenha sido muito traumática. Por exemplo, depois de ter sido assaltado, ficar com medo de que ocorra de novo, ter medo de sair na rua, ter pesadelos, etc. Geralmente após um evento traumático a ansiedade diminui logo no primeiro mês sem maiores consequências. Porém, em alguns casos, os sintomas  persistem por mais tempo ou reaparecem depois de um tempo, levando a um estado denominado como Estresse Pós Traumático.

Distúrbio de Ansiedade Generalizada:
Estado de ansiedade e preocupação excessiva sobre diversas coisas da vida. Este estado aparece frequentemente e se acompanha de alguns dos seguintes sintomas: irritabilidade, dificuldade em concentrar-se, inquietação, fadiga e humor deprimido.

Síndrome do Pânico:
A Síndrome do Pânico é caracterizada pela ocorrência de freqüentes e inesperados ataques de pânico. Os ataques de pânico, ou crises, consistem em períodos de intensa ansiedade e são acompanhados de alguns sintomas específicos como taquicardia, perda do foco visual, dificuldade de respirar, sensação de irrealidade, etc.

Fobia Simples:
Medo irracional relacionada a um objeto ou situação específico. Na presença do estímulo fóbico a pessoa apresenta uma forte reação de ansiedade, podendo chegar a ter um ataque de pânico. Por exemplo a pessoa pode ter fobia de sangue, de animais, de altura, de elevador, de lugares fechados ou abertos, fobia de dirigir, etc. Há muitas formas possíveis de fobia, visto que o estímulo fóbico assume um lugar substituto para os reais motivos de ansiedade da pessoa. O motivo original vai ser descoberto na terapia.

Fobia Social:
Ansiedade intensa e persistente relacionada a uma situação social. Pode aparecer ligado a situações de desempenho em público ou em situações de interação social. A pessoa pode temer, por exemplo, que os outros percebam seu "nervosismo" pelo seu tremor, suor, rubor na face, alteração da voz, etc. Pode levar à evitarmos situações sociais e um certo sofrimento antecipado. A pessoa pode também, por exemplo, evitar comer, beber ou escrever em público com medo de que percebam o tremor em suas mãos. 

Transtorno Obsessivo-Compulsivo:
Estado em que se apresentam obsessões ou compulsões repetidamente, causando grande sofrimento à pessoa. Obsessões são pensamentos, idéias ou imagens que invadem a consciência da pessoa. Há vários exemplos como dúvidas que sempre retornam (se fechou o gás, se fechou a porta, etc.), fantasias de querer fazer algo que considera errado (machucar alguém, xingar, etc.), entre vários outros.
As compulsões são atos repetitivos que tem como função tentar aliviar a ansiedade trazida pelas obsessões. Assim, a pessoa pode lavar a mão muitas vezes para tentar aliviar uma idéia recorrente de que está sujo, ou verificar muitas vezes se uma porta está fechada, fazer contas para afastar algum pensamento, arrumar as coisas, repetir atos, etc.

Uma nota para Reflexão:
O que é normal e o que não é normal em nossa vida mental?

É importante notar que todos nós apresentamos alguns comportamentos "estranhos" uma vez ou outra. A vida psicológica normalmente é cheia de estados emocionais variados, de transições e crises. Todos nós temos alguns medos ilógicos, algumas idéias intrusas em nossa consciência e estados de ansiedade mais intensos.

O que caracteriza um estado como patológico é quando estas situações dominam a nossa vida mental, quando o sofrimento emocional (ansiedade, desânimo, etc.) passa a ocupar o primeiro plano em nossas vidas e nos impede de viver outras experiências. Na psicopatologia, ocorre certa perda de liberdade e ficamos paralisados em modos estereotipados de funcionamento, sofrendo.

Nestas situações necessitamos de ajuda psicológica. A psicoterapia nos ajuda a sair deste estado de paralisia, ajudando a restaurar nossa capacidade de prosseguir construindo nossa vida e respondendo de modo criativo aos desafios.


Por Artur Scarpato , Psicólogo Clínico (PUC SP)

Como se livrar da ansiedade

1- Respire fundo, lenta e compassadamente pelo maior tempo que você for capaz, pois isto ajuda a desacelerar fisiologicamente o cérebro e por conseqüência a mente.

2- Entenda que quando um problema novo se configura a sua frente, a solução não está na sua mente, não está no seu pensamento e sim no fato em si. Quando for possível, olhe para o novo, procure entendê-lo, aumente as suas informações e seu conhecimento sobre ele. Não busque referências pessoais anteriores, pois isto aumentará a sua ansiedade. Se não for possível olhar para o problema (por exemplo,  numa entrevista de emprego), procure não pensar nele, tente “distrair” a sua mente com outra coisa, brigue( BRIGUE?) com ela para não pensar na entrevista e em suas conseqüências.

3- Aceite a falta de controle, abra mão da prepotência da sua mente, e entenda que não somos deuses superpoderosos que tudo podemos controlar. Uma parte de nossa vida tem que entregar a Deus, ao destino, à sorte e... Seja o que Deus quiser...

4- Problemas e novidades se resolvem com ação e não com pensamento, é preciso fazer o melhor que está a nosso alcance, focado, ligado no real. O que está além do nosso melhor esforço não podemos controlar.

5- Aceitar a possibilidade de perder, não querer ganhar a qualquer custo, pois isto acelera a mente e aumenta e muito a chance de derrota.

6- Aceite conviver com a insegurança quando ela surgir a sua frente. Não queira se livrar dela. Não tenha pressa. Quanto mais você aceitar conviver com a insegurança, mais calmamente ela irá embora e mais a sua mente se acalmará. Quanto mais você tentar se livrar dela, mais ela se tornará ansiedade.

7- Não se deixar enganar pela mente. Quando ela ficar buzinando internamente que o pior vai acontecer, usar a palavra mágica ( Não seria melhor “ Frase Mágica” ou Frases Mágicas” ?): “ Seja o que Deus quiser...” “ Foda-se...”














Resumindo: mente acelerada é mente desequilibrada. Para livrar-nos da ansiedade, devemos aprender a escapar do domínio e desacelerar a nossa mente.
Por  Dr. Isaac Ibraim, Médico Psiquiatra e Psicoterapeuta- SP .


Ornitofobia 

O nome parece pomposo e altivo, mascarando o seu real e prosaico significado: o medo anormal e irracional de aves. Confesso que sofro deste transtorno que se traduz na extrema angústia e medo de perder o controle. Senti-me encorajada a falar sobre este delicado assunto após assistir com muita compaixão e identificação ao relato da cantora Luiza Possi no programa Encontros com a Fátima Bernardes confidenciando sobre este ridículo calcanhar de Aquiles!

Por este bizarro medo, desde a mais tenra idade sempre fui alvo de bullying que naquela época era apenas escárnio, chacota e encarnação mesmo!

Uma explicação para tão estranho temor pode ter origem no fato de que a minha mãe assistiu ao filme Os Pássaros de Alfred Hitchcock quando estava grávida de mim. Relembrando o filme do mais puro terror que aborda a fobia discorre sobre a história de um casal que luta pela vida desesperadamente contra a força mortal de aves que protagonizam uma série de ataques aos cidadãos indefesos da cidade de Bodega Bay na Califórnia EUA.

Diga-se de passagem, este não é um filme apropriado para mulheres especialmente grávidas, porém mamãe foi uma mulher singular durante toda a sua vida. Era um misto de libertária, behaviorista, neofascista e treinadora do BOPE na educação das suas filhas, dentre as quais eu sou a primogênita.

Os traumas que lembro com os pássaros são posteriores à ornitofobia instaurada. Aos meus 15 anos minha mãe fez uma de suas experiências terapêuticas comportamentais com inspiração behaviorista: desafiou-me a entrar num viveiro de pássaros ornamentais do porte de galinhas, galos e perus no sítio de um amigo da família a quem eu gostava de impressionar pela bravura. Eu tinha uma reputação a zelar, era a mais velha de uma tropa de 5 crianças e era tida como intrépida e destemida, pois havia matado uma cobra coral a tiros de espingarda para proteger os petizes! Pois muito que bem, entrei no tal covil das feras que era fechado e diante da platéia incrédula, fechei os olhos e “ saí fora do meu corpo” enfrentando o medo. Aos calafrios vertiginosos sentia o bater das asas dos pássaros em fuga, roçando na minha pele, meu coração saltando pela boca e eis que eles sumiram sem deixar rastros! Ufa! Sobrevivi a esta prova de fogo!

Anos mais tarde, já na Faculdade de Psicologia na UFRJ, fazia estágio em Psicofarmacologia no Instituto de Psiquiatria que consistia em observar os pacientes em seu horário de lazer no pátio da clínica e eis que surgem do nada um pequeno exército de pombos, patos, gansos, marrecos, pelicanos , flamingos, galinhas, perús ... e derivados alegremente interagindo com os doentes em recreio! Foi o pior mico da minha vida, não consegui controlar a minha reação de pavor, saí correndo aos gritos diante dos olhares de pena dos internos! Soube depois que o convívio com os emplumados fazia parte da terapêutica dos internos. Estava acabada a minha carreira como Psicóloga depois deste vexame no hospital psiquiátrico, mas não desisti e ainda tentei estagiar no Pinel!

Outro episódio memorável ocorreu alguns meses depois, quando atravessava a Praça XV rumo às Barcas na companhia de uma amiga que estudava Medicina na UFF em Niterói: um pombo preto cismou de pousar na minha cabeça e se aninhar nas minhas longas madeixas! Desmaiei como efeito e acordei sendo socorrida pela minha amiga e rodeada de uma multidão de curiosos!

Desde pequena provoquei mudança nos hábitos alimentares da família porque não aceitava visitar aviários nem tampouco comer aves de qualquer espécie! Costumava fazer discursos a favor das pobres criaturas para convencer outras pessoas a excluir carne de aves do cardápio! Tornei-me macrobiótica aos 18 anos para evitar os encontros desagradáveis com as tais criaturas!

O meu problema maior é deflagrado quando as aves levantam voo, a simples lembrança das penas das asas me arrepia toda e tenho vertigens!

Há alguns anos venho controlando os ataques de ansiedade com meditação e auto hipnose. São técnicas para lidar com os desagradáveis sintomas.

Teorias apontam o medo como um fator de sobrevivência que nos preserva de perigos de morte, como no experimento com ratos que ficaram na mesma caixa com uma cobra, os que sobreviveram não a enfrentaram ficando parados. Na vida em geral, quando o medo é exacerbado nos paralisa e impede de viver. O excesso de controle nos isola do convívio que nos amedronta e nos impõe um cárcere estéril e asséptico.

A cura passa pela busca do entendimento e elaboração dos significados simbólicos do sofrimento e dos sintomas desenvolvidos, bem como a elucidação dos ganhos secundários obtidos desses.

Por Nathalia Leão Garcia




sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

THE ALCHEMICAL DREAMS

Metaphors of Neptune in our life.
Unlikely love of an archetypal couple.
The Venus Aquarian engaged
Gemini Mars wants everything at the same time.
And there is the meeting dream.

For brief and secret moments
The contact is intriguing and rapturous.
The stars collide violently.
The soul mythology in the wind.
Surreal, diaphanous, ethereal, inordinate romance.

I wish you to stay with me,
But I'm frightened of this sun that plucks me.
I sense the dangers and move on.
What makes it spicy and irresistibly magical
It is the uncertainty, the chimera, the lack of direction.

Two souls who always wanted in vain.
Beyond space, short of tragic.
Wanting intense that materializes in fusion.

We made non-interference pacts.
Don´t reveal, but involve
They arrive suddenly and take for irreverence.

Barbaric and endemic invasion.
The pores penetrate and burn.
Pigment the ocean landscape.
In the dermis they fuse like a tattoo.

Pay to see, let the morning roll.
Seducing, persuading.
The sensation invades the innards.
And keep on walking its way.

You have to enjoy without getting caught.
In this trip without limits and borders.
I´m the warrior's wet eyes.

Don´t regret or lose you.
To let loose the wild wolf 
that escapes the borders.

My Lilith Ariana gladiator voracious and fierce
dispute with the Virginian Moon ironic and demure
In a bloody and atrocious battle
Lose my flesh lacerated
On thin slides carved by the torturer.

Body and soul.
Anima and animus.
Yin and Yang.
A side and B side.
Verse and reverse.

An endless contradiction.
My irreconcilable "selves."
The opposites that live inside me.
They aren´t attached to reliable foundations.
Nor to archaic ivory codes.

The scepter snakes in the vertebra
Libidinous in a spiral
It shakes my body in a trance and celebrates
The mediumistic trance opens the portal
And it takes me to a desert setting of breakage.

We got lost at the gate sometime.
Long road back to the end
Cosmic marriage in a distant time.

With my eyes I ask permission
To enter in the sacred ship
For the glamorous mutant parade

Voluptuousness is enviable.
The poisonous potion vitiates.
This impending hunger
That only a source satiates.
The sins remission is undeniable.

My clandestine lover
Don´t be offended!
My web deludes.
Don´t give up!
The fire of passion is incompleteness.

My delusion of hallucination comes to the end.
The awakening of a Morpheus dream.
In a lit stage of pilgrimage.
Persist in the search for Romeo.
With the rebellion of Uranus and inspiration.

December 7th, 2018
Nathalia Leão Garcia



domingo, 25 de novembro de 2018

Luiz Gama e a potência de um deslocamento: quando o outro se torna sujeito do discurso


As vozes negras foram alijadas do sistema literário brasileiro e permanecem até hoje numa espécie de clandestinidade. O Brasil apresenta problemas relativos ao “apagamento” e não identificação deste “sujeito” tão marginalizado ao longo do tempo, apesar de nosso povo ser formado por uma miscigenação racial. O significado simbólico dessa rara manifestação autoral negra pode ser identificada como elemento de resistência estética e política presentes nas suas obras, que contam outras histórias, engendrando, assim, diferentes formas de compreender e elaborar o mundo a partir de novas perspectivas históricas e sociais ao assumir o comando e a autoria de sua própria escrita. O resultado concorre para o estabelecimento de um sistema literário baseado na heterogeneidade, na pluralidade e na diversidade.
No presente ensaio, procuro levantar os elementos singulares percebidos na poesia crítica "Quem Sou Eu?", ou "A Bodarrada", de Luiz Gama, intelectual advogado autodidata, que foi o precursor do abolicionismo no Brasil a partir da ótica afro-brasileira. Nasceu em 1830 na Bahia filho de uma escrava Mina e um português e faleceu em 1882. Foi irreverente e inovador porque que se assumia como negro e tinha coragem de se expressar por meio da suas poesias que tinham um frescor renovador e deixavam claro seu ponto de vista diferenciado com relação às causas do negro no Brasil o que representou uma quebra na hegemonia do discurso privilegiado.
Sua história ímpar como advogado, escritor e ativista, revela a posição abolicionista no seu trabalho em tribunais de São Paulo conseguindo libertar mais de 500 escravos assim mantidos injustamente. Defendia valores republicanos e trabalhava ativamente na crítica da sociedade influenciada fortemente por ideologias racistas, como pode ser comprovado pela fala de Rui Barbosa que usou o termo "negro, mas genial" que teria sido utilizado como qualificativo ao se referir a Luiz Gama em momento pós-abolicionista.
A escritura autoral de Gama teve grande repercussão na época que publicou em 1859 seu único livro de poesias "Primeiras Trovas Burlescas do Getulino", uma coletânea de poesias satíricas que ridicularizavam a aristocracia e os homens de poder da época, numa clara intenção de desmontar a estrutura preconceituosa e a legitimação da fala “branca” para representar o pensamento identitário negro. Num país preconceituoso Luiz Gama reluzia o orgulho da sua cor e origens africanas que consolida a sua imagem no lugar que pertencia e que era dominado apenas pelos brancos. O eu poético mesmo vivendo em um tempo em que ser negro era sinônimo de ser escravo ou descendente de escravo.
Gama ousa escrever o seu tempo apropriando-se de vocabulário erudito, demonstrando gosto pelas alusões à literatura clássica e alegorias da mitologia grega. Também inaugurou a imprensa humorística paulistana ao fundar, em 1864, o jornal "Diabo Coxo". Como poeta satírico, ocultou-se, sob o pseudônimo de Afro, “Getulino e Barrabás”. Em seu célebre poema “A Bodarrada” ironizava quem tentava negar a influência africana na formação da identidade nacional brasileira. Gama demonstra orgulho de sua condição ao admitir no poema que também era bode (termo pejorativo usado para ridicularizar os negros), tornando-se o pioneiro escritor brasileiro a assumir completamente a sua identidade negra, o que o tornou fundador da literatura da militância negra no Brasil. A fim de estabelecer a sua marca crítica em relação à sociedade de seu tempo faz uso da palavra “bode” na referida poesia satírica como forma de retribuir de forma pejorativa o tratamento que era dado na época aos negros. Assumindo a identidade negra, ele também denuncia que os tais “bodes” se encontravam representados em toda a sociedade, chegando até os altos escalões da sociedade brasileira, como no trecho extraído:
“Se negro sou, ou sou bode
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda casta
Pois que a espécie é muito vasta...
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus e outros nobres.
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios importantes,
E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra,
Marram todos, tudo berra;”
Através da poesia “A Bodarrada” temos a oportunidade de refletir sobre a concepção da literatura negra no Brasil como forma de resistência e compreender as transformações ocorridas nessa construção de identidade e os fatores intrínsecos que foram cruciais para essa mudança de representação antes atribuída aos referendados intelectuais brancos como Joaquim Manuel de Macedo que representava a voz do abolicionismo chancelado pela classe dominante no Brasil. Gama usa a literatura como forma de expressão com o poder de construir ideologias, posicionamentos, imagens, representações de identidades da etnia africana e também ocupa um papel social de espaço de denuncia retratando a trajetória do negro na sua poesia. Essa construção de “identidade” tem íntima relação com os interesses econômicos, sociais, políticos e culturais, que são conhecidas e apontadas por Gama que detém o conhecimento do modo de operar da política desde a burocracia até a corrupção já entranhada nos hábitos deste país.
A literatura é referenciada como um dos pilares da formação burguesa humanista, que ao assumir um papel social de espaço de denúncia, retrata a presença da africanidade na construção da cultura nacional e toda a trajetória do negro. Assim se dá o posicionamento de Gama diante da problemática social negra no livro Gamacopéia de Silvio Roberto dos Santos Oliveira:
“Na poesia de Luiz Gama é imprescindível observar o deslocamento de olhar. Não é um olhar eurocêntrico versando sobre mestiçagem. Também não é um olhar africano. Não é o olhar branco comiserado pelas agruras negras. Não é o olhar negro apenas lacrimejando em território branco. Trata-se de um olhar plural a partir de uma perspectiva de um homem negro intelectualizado (OLIVEIRA, 2004, p. 230).”
Por fim, destaco como as características literárias desta poesia apontam para uma nova vertente dentro da literatura brasileira ao expor e dar voz aos negros. Desta forma o afro-brasileiro deixa de ser apenas objeto da enunciação para assumir o papel de sujeito com direito a vez e a voz enunciadora nas escrituras de Gama se apropriando de um direito que até então era dado somente aos brancos. Com sua atuação como líder político usa a sua raça, história de vida e a memória da escravidão para mediar a realidade social e as relações étnico-raciais que se materializam na construção de um lugar para o surgimento da identidade da diáspora negra. Porém, há muito o que fazer ainda para efetivar estas conquistas. Inclusive cabe informar que apenas neste ano de 2018, Luiz Gama foi declarado oficialmente o patrono da abolição dos escravos no Brasil e foi escrito no Livro dos Heróis da Pátria, honraria post-mortem concedida pela presidência de um país que não fez as pazes com a sua memória.
Referências
A luta pela identidade: a construção de uma literatura autenticamente negra dos séculos XIX ao XXI. Disponível em http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/trabalho_ev056_md1_sa9_id1250_20082016000521.pdf
Lei declara advogado Luiz Gama patrono da abolição da escravidão no Brasil. disponível em : https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI272598,81042-Lei+declara+advogado+Luiz+Gama+patrono+da+abolicao+da+escravidao+no
Luís Gama e a Consciência Negra na Literatura Brasileira. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/afroasia/article/viewFile/20858/13458
Luiz Gama - Heróis. Disponível em: http://antigo.acordacultura.org.br/herois/heroi/luizgama
Luiz Gama e a sátira racial como poesia da transgressão: poéticas diaspóricas como contra narrativa à ideia de raça. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alm/n11/pt_2236-4633-alm-11-00707.pdf
OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Gamacopéia: ficções sobre o poeta Luiz Gama. Campinas, SP, 2004. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/269857/1/Oliveira_SilvioRobertodosSantos_D.pdf
O Negro como Sujeito na Poesia de Luiz Gama, TCC 2013. Disponível em: http://www.saberaberto.uneb.br/jspui/bitstream/20.500.11896/825/1/TccDarleteSilvaMagnoliaPaixao.pdf

REMINISCÊNCIAS E ESCRIVIVÊNCIA

                 Carrego em mim a doce lembrança de minha avó materna que me criou. Ela partiu cedo desta vida, mas me deixou de herança s...