O presente trabalho pretende
discutir o enraizamento do Modernismo no Brasil e sua vertente Regionalista,
segunda fase do Modernismo que se diferenciam através dos contrastes na forma
de suas narrativas. Tomando como base de análise o livro Vidas Secas de Graciliano Ramos, discorremos sobre os aspectos da
narrativa que representam a “Geração de 30” ou “Neo – Realista”. O Regionalismo trouxe as ambiguidades entre
tradição e inovação além de expor de forma crítica as mazelas de regiões
desprestigiadas do nosso país com as estórias realistas das pessoas simples que
habitavam os Nordeste e Minas Gerais através de uma fala áspera que reproduzia
com tonalidades diversas a estética Naturalista do fim do séc. XIX e suas
manifestações na sociedade dos anos 1930. Já o Neo-Realismo foi um movimento
artístico do séc. XX, marcado por um idealismo de esquerda, influenciado pela
doutrina de Karl Marx trazendo à tona as lutas de classes. No Brasil este
movimento recuperou elementos Realistas e Naturalistas, adotando práticas
modernistas, marxistas e da Psicanálise de Freud. A Literatura Neo Realista é
representada na obra Graciliano Ramos que preserva o determinismo social e
psíquico, a perspectiva imparcial e um olhar objetivo e também as comparações
entre seres humanos e animais. Graciliano Ramos nasceu em 1892 numa cidade do
interior de Alagoas, primogênito de 16 filhos numa família que vivia as agruras
das secas no sertão nordestino, marcado pela violência e pela personalidade
dura de seus pais, interessou-se desde cedo pela temática agreste, seus
problemas sociais e a análise crítica das relações humanas. Teve uma boa
educação que o instigou o amor pelas letras, trabalhou como jornalista,
funcionário público, encarregado de educação, chegou a política como Prefeito
da cidade de Palmeira dos índios em Alagoas, numa trajetória heterodoxa e que
desafia as convenções vigentes. Por assumir a militância política contrária ao Governo
Vargas, é preso em março de 1936 sendo acusado de conspiração e participação
nas revoltas comunistas de 1935, dessa experiência ficam as impressões escritas
em “Memórias do Cárcere” que foi
adaptado para o cinema também. Mais tarde viaja pelo leste europeu e filia-se
ao Partido Comunista. Considerado como o escritor de maior
expressão da Geração de 30, com a sua literatura que denunciava as desigualdades e as arbitrariedades dos
“donos do poder”: governo, polícia, os proprietários de terras que representavam
a classe mais prestigiada da sociedade e a sua opressão sobre o povo que não
dominava a língua portuguesa padrão e por sua ignorância era facilmente
controlado pelo Estado.
Vidas Secas escrita em
1938, em plena concordância com a Geração de 30 e o Neo-Realismo, aborda temas
como injustiça social, miséria, fome e seca dos nordestinos na sua saga de
retirantes, numa forma pessimista e determinista em 13 capítulos fragmentados
que podem ser lidos em qualquer ordem, representando uma ruptura com a
linearidade temporal numa linguagem seca e impessoal da narrativa em terceira
pessoa, econômica suprime advérbios e adjetivos, trazendo embutida uma crítica
social contundente. O livro explana a realidade
brutal e inexorável da vida de uma família de retirantes da seca com uma visão
animalizada dos seus personagens Fabiano, Sinhá Vitória, os filhos mais velho e
mais novo além da cadela Baleia que esta sim parece mais humana e traz a parte
mais emocionante da estória que ganha enorme empatia do público com suas ideias,
pensamentos e reflexões na descrição detalhada de sua morte trágica dolorosa e impactante. A narrativa evidencia a opressão e a
violência dos agentes do poder: o patrão-dono da propriedade, o governo
autoritário, a polícia arbitrária que representa a lei e a seca que é um
personagem onipotente. O pai Fabiano é bastante brutalizado numa alusão
naturalista e dominado por vícios como a bebida e os jogos. Os personagens
seguem numa vida acomodada, conformando-se com as condições impostas
determinantes do seu destino, sem esperanças ou reflexões filosóficas acerca da
sua realidade.
O Regionalismo da obra Vidas Secas nos incita a indagar acerca das modalidades de relações
entre esses sistemas culturais regionais e a literatura brasileira em questão. Pela leitura dos excertos no artigo de Arruda,
Modernismo e Regionalismo no Brasil: entre
inovação e tradição, vemos a existência de uma descentralização da cultura que” resultou da própria formação do país, uma
vez que a dispersão geográfica da atividade econômica produziu a tendência ao
caráter independente das regiões; à perda de dinamismo corresponde “um lento
processo de atrofiamento” que se constitui a dinâmica mesma “de formação do que
no século XIX viria a ser o sistema econômico do Nordeste brasileiro [...]. A
estagnação da produção açucareira não criou a necessidade – como ocorreria nas
Antilhas – de emigração do excedente da população livre formado pelo
crescimento vegetativo desta” (Furtado, 1963, pp. 79-80).
”No Brasil não se deu o movimento da substituição da
atividade dominante, ou do aprofundamento da regionalização de forma a
estabelecer as bases futuras de outros países, como foi o caso da América
espanhola.” (Idem, p. 104) “Essas distintas regiões viviam
independentemente e tenderiam provavelmente a desenvolver-se, num regime de
subsistência, sem vínculos de solidariedade econômica que as articulassem.
(Idem, p. 96)
Na articulação entre discurso do
Regionalismo com as suas tradições que traz um olhar crítico de resistência, vemos
as contradições da sociedade da época marcada pela diversidade, os nuances da
rebeldia e busca por inovações do Modernismo da primeira fase centrado no eixo
urbano Rio-São Paulo. Deixo aqui o questionamento sobre como o determinismo das
condições adversas somado a uma política educacional equivocada que preferiu
manter uma aparência de hegemonia na identidade nacional. A estética do Regionalismo da Geração de 30 escancara a
desigualdade no processo de modernização do Estado Brasileiro. Através da dificuldade
no acesso ao letramento encontra-se uma forma de impedir a libertação e
independência do povo que assim poderia manter-se dominado para sempre. As raízes da submissão se encontram nessa ideia
de largar os desvalidos relegados a própria sorte, independentes e
desarticulados. O pensamento dominante infundido era de que forte mesmo é o que
sobrevive às condições adversas e mantém-se acomodado e dominável o que vigora
infelizmente até hoje, perpetuando a visão pessimista trágica e imutável dos
deserdados, excluídos e sujeitos ao preconceito como explanado pelo personagem
Fabiano nas suas rasas divagações.
Referências:
ARRUDA, M. A. N. Modernismo e regionalismo no Brasil: entre
inovação e tradição. Tempo social. São Paulo, v. 23, n. 2, p. 191-212, 2011.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702011000200008&script=sci_abstract&tlng=pt.
Acesso em: 4 nov. 2019.
BRUNACCI, M. I. Graciliano Ramos:
um escritor personagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. Biblioteca Virtual.
E-Book Vidas Secas – Graciliano
Ramos. https://dynamicon.com.br/wp-content/uploads/2017/02/Vidas-secas-de-Graciliano-Ramos.pdf
Escritores de Neo-Realismo. Disponível em: https://www.infoescola.com/literatura/escritores-do-neo-realismo/ Acesso em: 5 nov. 2019.
Realidade e representação no
romance regionalista brasileiro: tradição e atualidade. Disponível
em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/o_eixo_ea_roda/article/view/5908
Acesso em: 4 nov. 2019.
Resenha – Vidas Secas – Graciliano
Ramos. Disponível em: https://atraidospelaleitura.wordpress.com/2018/06/15/resenha-vidas-secas-graciliano-ramos/ Acesso em: 4 nov. 2019.
Vidas Secas – Graciliano Ramos. Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=TlIGsVYCO0I Acesso em: 4 nov. 2019.
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